quinta-feira, 29 de setembro de 2011


Cotas para negros

Coca-Cola e ONU Mulheres firmam parceria global para acelerar o empoderamento econômico das mulheres


ONU MULHERES PortA parceria tem o objetivo de acelerar o empoderamento das mulheres empreendedoras por meio de ações estratégicas como a eliminação das barreiras que elas normalmente enfrentam para expandir os negócios. Entre as estratégias, está o aumento de habilidades empresariais, serviços financeiros e apoio à formação de redes de colaboradores/as e mentores/as
A Coca-Cola e a ONU Mulheres anunciaram ontem (22/9), em Nova York, uma parceria para promover o empoderamento econômico das mulheres. O acordo responde ao Plano Estratégico da ONU Mulheres e à iniciativa global 5 by 20 da Coca-Cola Company. A parceria tem o objetivo de acelerar o empoderamento das mulheres empreendedoras por meio de ações estratégicas desenvolvidas pelas duas organizações.
A iniciativa 5 by 20 da Coca-Cola Company visa permitir o empoderamento econômicos de 5 milhões de mulheres empreendedoras da cadeia de valor da Coca-Cola até 2020. A empresa está desenvolvendo e implementando programas para ajudar a quebrar as barreiras impostas às mulheres empresárias nos pequenos negócios que estão em torno do Sistema Coca-Cola. São exemplos de empreendedoras: fruticultoras, lojistas, coletoras, recicladoras e artesãs.
O Plano Estratégico da ONU Mulheres estabelece uma série de iniciativas que apoia desde a promoção de leis e políticas, que garantam proteção e igualdade de direitos às mulheres, até a geração de empregos, renda e oportunidades de acessos aos recursos econômicos. A ONU Mulheres também está incentivando empresas para firmarem os Princípios de Empoderamento das Mulheres – Igualdade Significa Negócios, um conjunto de medidas voltadas para promover o empoderamento das mulheres no local de trabalho e no mercado de trabalho.
Por meio dessa colaboração, a Coca-Cola Company e a ONU Mulheres pretendem lidar com as barreiras que as mulheres empreendedoras normalmente enfrentam para expandir os negócios através de mais treinamento para aumentar as suas habilidades empresariais, serviços financeiros e apoio à formação de redes de colaboradores/as e mentores/as.
"Acreditamos que não há melhor momento do que este para investir nas mulheres, pois elas são como motores para o crescimento econômico e do desenvolvimento sustentável. As mulheres têm uma força de crescimento rápido e nenhuma empresa ou economia será capaz de crescer sem elas", diz Muhtar Kent, presidente e CEO da Coca-Cola Company. "Esta parceria com a ONU Mulheres, que aproveita sua vasta experiência, será de grande impacto para os nossos esforços de permitir que o empoderamento das mulheres em todo o mundo", complementa Kent.
"Agora, mais do que nunca, o mundo precisa libertar o talento e a energia das mulheres, se quisermos tornar nossas economias e sociedades mais fortes. Empresas como a Coca-Cola estão percebendo que investir nas mulheres é um ingrediente essencial na fórmula para o sucesso", aponta Michelle Bachelet, sub-secretária geral e diretora executiva da ONU Mulheres. "Não podemos mais nos dar ao luxo de desperdiçar o potencial de metade da população mundial. Essa é uma questão de justiça, assim como bom senso econômico e de negócios", acrescenta Bachelet.
O trabalho já está em curso em alguns países para identificação de programas em áreas potenciais, como treinamento de habilidades para mulheres dirigentes de cooperativas de reciclagem e lojistas. Cada organização colocará na mesa as suas experiências e capacidades em projetos concretos. Nessa abordagem, há o aproveitamento das vantagens comparativas de cada empreendimento, criando parcerias público-privadas no sentido de alavancar e oferecer oportunidades de investimento em novas oportunidades econômicas para as mulheres.
Além de anunciar essa colaboração, Muhtar Kent também assinou a Declaração dos CEOs de apoio aos Princípios de Empoderamento das Mulheres, desenvolvidos pela ONU Mulheres e o Pacto Global para apoiar a liderança corporativa para a igualdade de gênero no local de trabalho, no mercado de trabalho e na comunidade de negócios. Com a assinatura da declaração, CEOs como Muhtar Kent demonstram o seu compromisso com a liderança para a igualdade de gênero e o empoderamento econômico das mulheres de forma imperativa para o mundo corporativo.
Sobre a ONU Mulheres
A ONU Mulheres é a organização das Nações Unidas dedicada à igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres. Nova liderança global em prol das mulheres e meninas, a ONU Mulheres foi estabelecida para acelerar o alcance do atendimento das necessidades das mulheres mundialmente.
A ONU Mulheres apoia os Estados Membros da ONU, nos seus esforços para o alcance da equidade de gênero, e trabalha com governos e sociedade civil para desenhar leis, políticas, programas e serviços necessários para implementar os padrões internacionais. A entidade dá suporte para a igualdade de participação das mulheres em todos os aspectos da vida enfoca cinco áreas prioritárias: aumento da liderança das mulheres e participação, eliminação da violência contra as mulheres, envolvimento das mulheres em todos os aspectos dos processos de paz e segurança, melhoria do empoderamento econômico das mulheres, e inclusão central da igualdade de gênero no desenvolvimento nacional de planejamento e orçamento. A ONU Mulheres também coordena e promove o trabalho do Sistema das Nações Unidas para avançar a igualdade de gênero. Para mais informações, visite www.unwomen.org.
Sobre a Coca-Cola Company
A Coca-Cola Company é a maior empresa de bebidas do mundo, atendendo consumidores com mais de 500 marcas gaseificadas e destiladas. Liderado pela Coca-Cola, a marca mais valiosa do mundo, o portfólio da empresa possui 15 de bilhões de dólares em marcas, incluindo refrigerantes como Diet Coke, Fanta, Sprite, Coca-Cola Zero e energéticos como Powerade, Minute Maid, Simply e Geórgia. Globalmente, a Coca-Cola é a fornecedora número 1 de bebidas gasosas, sucos e bebidas prontas como chás e cafés. Por meio do maior sistema mundial de distribuição de bebidas, os consumidores em mais de 200 países saboreiam as bebidas da empresa a uma taxa de 1,7 bilhão de doses por dia.
Com o compromisso permanente de construir comunidades sustentáveis, a Coca-Cola Company está focada em iniciativas que reduzam a pegada ambiental, estimulem valores como vida ativa e saudável, ambiente de trabalho inclusivo para os associados e desenvolvimento econômico das comunidades onde o sistema opera. Para mais informações sobre a Coca-Cola Company, visite www.thecoca-colacompany.com
Fonte: Onu Mulheres Conesul

quarta-feira, 28 de setembro de 2011



I Fórum da Sociedade Civil – AO VIVO

28/09/2011 por Da Redação

Nota Informativa

AO ViVO  – CLIQUE AQUI - 28/09/2011
O I Fórum da Sociedade Civil da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) vai realizar-se de 28 a 30 de Setembro, em Brasília, subordinado ao tema “Promovendo a participação social na CPLP”.Organizado pelo Secretariado Executivo da CPLP em coordenação com o Ministério das Relações Exteriores e com a Secretaria-Geral da Presidência da República do Brasil, este I Fórum da Sociedade Civil pretende ser um espaço de integração efectiva das iniciativas existentes e das organizações da sociedade civil da CPLP. Participam organizações de diversos sectores, nomeadamente, da Infância e Juventude, Igualdade de Direitos da Mulher, Trabalho, Educação, Meio Ambiente, Agricultura e Segurança Alimentar, entre outros.
A promoção da participação da Sociedade Civil na CPLP tem como antecedentes a Resolução sobre o Reforço da Participação da Sociedade Civil, de 24 de Julho de 2008; a Resolução sobre o I Fórum da Sociedade Civil, de 20 de Julho de 2009, as Recomendações para a Instalação e Funcionamento do I Fórum da Sociedade Civil, 6 de Novembro de 2009 e a Resolução sobre a Realização do I Fórum da Sociedade Civil da CPLP, de 22 de Julho de 2010.
Cada Estado-membro da CPLP vai enviar uma delegação composta por um membro do governo e por cerca de seis organizações da sociedade civil, com excepção do Brasil que enquanto país anfitrião deste Fórum deverá participar com mais instituições. São elas:
Angola
• Oliveira Francisco Joaquim Encoge – Director do Gabinete CPLP/MIREX;
• João de Deus Pereira – Fundação Eduardo dos Santos (FESA);
• Pedro Liliana Manuel – Fundação Sagrada Família;Maria Sacchetti dos MdM
• Mendes João de Almeida – União Nacional dos Trabalhadores Angolanos;
• Cesaltina Abreu – Universidade Agostinho Neto;
• Ernesto Mumumga – Instituto Nacional da Criança;
• Lopes Trigo Segunda – Conselho nacional da Juventude.
Brasil

(brevemente disponível)
Cabo Verde

• Mário Moniz – Plataforma das ONG;
• Lourença tavares – ACRIDES;
• Lúcia dos Passos – MORABI;
• Maria Vicenta Cabral Fernandes – OMCV
• Elizabeth Xavier de Jesus – VERDEFAM;
• Augusto Elísio Rodrigues – CITI-HABITAT.

Guiné-Bissau

• Embaixador Cipriano Gomes – Conselheiro Politico Diplomático do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Cooperação e das Comunidades;
• Mamadu Queta – Movimento da Sociedade Civil;
• Fernando Ca – Associação de Amigos da Criança;
• Fatima Camara de Barros – Associação de Mulheres de Actividades Económica;
• Sabana Embalo – União Nacional dos Trabalhadores da Guine;
• Antonio Nabituque – Conselho Nacional de Juventude;
• Alberto Pinto Filomeno Cabral – Confederação dos Sindicatos Independente
• Bilony Nhama Nantamba Nhasse – União Democrática das Mulheres da Guiné-Bissau
Portugal

• João Carlos Gonçalves Álvares – AISEC – Conselho Nacional da Juventude
• Alice Frade– Associação para o Planeamento da Família
• Wanda Guimarães– UGT
• Fernando Gomes – CGTP-IN
• Pedro Cruz– Secretariado Executivo da Plataforma das ONGD
• Maia Sachetti – Médicos do Mundo
• Filipa Sant’Ana Sousa– Instituto Marquês Valle Flôr
Moçambique

• Martins Kumanga – Chefe do Departamento de Politica Internacional, Direcção das Organizações Internacionais e Conferências, Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação;
• João Carlos Palate – União Nacional dos Camponeses (UNAC);
• Jacinto Zacarias Uqueio – Fundação Para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC);
• Saquina Mucavele – Mulher, Género e Desenvolvimento (MuGeDe);
• Rafa Valente Machava – Organização Moçambicana da Mulher, Lei e Desenvolvimento (MULEIDE);
• Violeta Benjamim Langa Changusa – Organização da Mulher Moçambicana (OMM);
• Jeremias Duzenta Timana – Confederação Nacional dos Sindicatos Independentes e Livres de Moçambique (CONSILMO).
São Tomé e Príncipe

• Amílcar de Oliveira Afonso – Ponto Focal de Cooperação da CPLP;
• Gastão da Graça Ferreira– União Geral dos Trabalhadores de STP;
• Ester Tomé Will– Fórum da Mulher Santomense;
• Manuel Jorge de Carvalho Rio– MARAPA – Mar, Ambiente e Pesca Artesanal;
• Celso Carlos Garrido Sousa Pontes– ADAPPA – Acção Desenvolvimento Agro-Pecuário e Protecção do Ambiente;
• José Pires Guiné– Agente Saúde Comunitário – PLIVINI;
• Adriana do Amaral Ramos– Fundação Novo Futuro.
Timor-Leste
• Joaquim da Costa Freitas– Gabinete do PM;
• Miguel Silva – Ponto Focal de Cooperação da CPLP;
• Arcenio Pereira da Silva – Movimento Kamponezes;
• Deometrio do Amaral Carvalho – Fundação Haburas;
• Maria Dadi Soares Magno– Concelho Nacional da Juventude;
• Aurora Ximenes– Rede Feto;
• Carlos Alberto Barros Florindo– ETADEP;
• Adalgisa Maria Soares Ximenes– Comissária das Crianças.
Secretariado Executivo da CPLP

• Domingos Simões Pereira – Secretário Executivo da CPLP;
• Hélder Vaz Lopes – Director-geral;
• Manuel Lapão – Director de Cooperação;
• Carlos Alberto Gonçalves – Técnico da Direcção de Cooperação.
O Programa Previsto será disponibilizado brevemente.


Quarta, 28 de setembro de 2011, 08h05

A Caixa Econômica e a Miss angolana

Reprodução
A 
propaganda da Caixa embranqueceu o mulato Machado de Assis
A propaganda da Caixa embranqueceu o mulato Machado de Assis
Zulu Araújo
De Brasília (DF)
Confesso que fiquei numa grande dúvida sobre o tema que deveria abordar neste artigo. De um lado um fato histórico, carregado de simbolismo e preconceito - a celebração dos 150 anos da Caixa Econômica Federal; e de outro, um fato simbólico também carregado de história e preconceito - a eleição da Miss Angola como Miss Universo. Na dúvida resolvi abordar os dois temas, pois embora não pareça os dois fatos estão umbilicalmente ligados e expressam a um só tempo o atraso e o avanço na luta contra a discriminação racial, no Brasil e no mundo.
Enquanto a Caixa Econômica Federal reproduzia, ipsis litteris, o lugar comum do racismo brasileiro, que é o exercício permanente de "branqueamento" de tudo aquilo que lhe pareça positivo e virtuoso, a organização do Concurso da Miss Universo dava um passo importante na quebra do paradigma de que para alguém ser belo ou bela tem que ser branco (a), loiro (a) e de olhos azuis, conforme afirmou o ator global Rodrigo Lombardi, recentemente, num programa de televisão. Mas, o que mais me chamou a atenção no episódio da Caixa foi a displicência, ou melhor, a "naturalidade" com que um erro de tamanha gravidade (transformar o escritor Machado de Assis, notoriamente mulato, em branco) passou desapercebido dos seus dirigentes. Afinal, não era uma celebração qualquer, era uma peça que celebrava 150 anos de uma instituição das mais importantes do país, que representa ou tenta representar a cara do Brasil, que afirma em suas peças publicitárias que sua atuação é pautada nos princípios da responsabilidade social e pelo respeito à diversidade.
Então, como explicar um erro tão grosseiro e tão afrontoso quanto este? Onde estava o diretor de marketing que não percebeu? Quem aprova a peça afinal, a agência de publicidade ou a Caixa? Estas são algumas perguntas que precisam ser respondidas, para que possamos entender melhor o que aconteceu. Mas, não posso deixar de pensar que por mais explicações que dêem, a verdade nua e crua é que fatos como estes ocorrem pura e simplesmente por conta desse racismo encardido e dissimulado que vive nas entranhas da nossa sociedade. E, enquanto esse câncer não for definitivamente erradicado em nosso país, continuará causando estragos e constrangimentos como o que a Caixa e os seus dirigentes estão passando no momento.
Mas, apesar da dor que nos invade, quando vemos e vivemos acontecimentos como estes, não podemos negar a importância educativa e reparadora na reação indignada com que vários setores da sociedade brasileira explicitaram sua contrariedade. E aí, vale a pena parabenizar a direção da Caixa pela atitude corajosa de retirar o comercial do ar e pedir desculpas públicas aos brasileiros e informar que fará uma nova publicidade corrigindo o erro grotesco. A ação da SEPPIR, por meio da sua Ouvidoria que instou a retirada do comercial do ar e aos inúmeros cidadãos que protestaram publicamente.
Outro momento primoroso desta polêmica foi o artigo da escritora Ana Maria Gonçalves, publicado pela Revista Fórum. Ela nos presenteia com uma aula de história e cidadania, ao aproveitar o episódio para desmistificar o papel da Caixa, no processo de combate a escravidão e indicar ao menos o caminho de origem deste tipo de comportamento que vige até os dias hoje no Brasil. Vale a pena ler o trecho a seguir escrito por ela: "Então, o que a Caixa Econômica Federal fez, em 1872, ao oficializar a "poupança dos escravos", foi permitir e reafirmar que o controle do dono sobre o escravo, com a tutela do Estado, fosse exercido inclusive sobre algo que, de comum acordo entre dono e escravo poderia ficar, anteriormente, sob a responsabilidade do escravo". É de doer, mas é verdade.
Por outro lado, a vitória de uma mulher negra, de origem africana, num concurso de beleza internacional, com padrões claramente europeus, pode não ter muito significado no plano das políticas públicas de promoção da igualdade racial, mas não deixa de ser um sintoma de que um lento processo de mudança cultural, no caminho da diversidade está em curso no mundo. E isto, não deixa de ser alentador. Para o Brasil e particularmente para a minha Bahia, não chegou a ser uma "brastemp", a escolha feita, até porque esbarramos em nosso dia a dia, tanto no Pelourinho (nos ensaios do Olodum), quanto no Curuzu (nos ensaios do Ilê Aiyê), como mulheres tão belas quanto a nossa miss angolana, mas, volto a repetir, é um sinal dos tempos.
Enfim, dois momentos e dois comportamentos tão distintos mas com resultados tão semelhantes.
Axé!
Toca a zabumba que a terra é nossa!
Zulu Araújo é arquiteto, produtor cultural e militante do movimento negro brasileiro. Foi Diretor e Presidente da Fundação Cultural Palmares (2003/2011).


Fale com Zulu Araújo: zuluaraujo@terra.com.br
Opiniões expressas aqui são de exclusiva responsabilidade do autor e não necessariamente estão de acordo com os parâmetros editoriais de Terra Magazine.
Terra Magazine

domingo, 25 de setembro de 2011

Morre aos 71 anos a vencedora do prêmio Nobel de 2004
26 de setembro de 2011 02h34 atualizado às 03h11

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A queniana Wangari Maathai morreu por causa de um câncer. Foto: Reuters

A queniana Wangari Maathai morreu por causa de um câncer
Foto: Reuters

A ativista queniana Wangari Maathai, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz 2004, morreu por causa de um câncer, anunciou nesta segunda-feira o movimento que ela fundou, o Cinto Verde. Maathai morreu no domingo, aos 71 anos, no hospital de Nairóbi após uma valente e prolongada luta contra o câncer, acompanhada de parentes, informou o organismo em seu site.

"A morte de Maathai é uma grande perda para todos os que a conheciam e para quem admirava sua determinação para fazer um mundo mais pacífico, mais saudável e um lugar melhor", acrescentou.

Maathai, que tinha três filhos e uma neta, foi uma das primeiras mulheres de África Ocidental com uma cátedra universitária, com um doutorado em Biologia. Em 1977 fundou o Movimento Cinto Verde, um dos programas de mais sucesso de proteção do meio ambiente, graças ao qual se plantaram no Quênia 20 milhões de árvores, sobretudo por mulheres.

Em 2004, quando o Comitê Nobel de Oslo anunciou a concessão do prêmio a Maathai destacou sua posição "à frente da luta para promover um desenvolvimento ecológico, que seja viável socialmente, economicamente e culturalmente, no Quênia e na África".

O organismo ressaltou que Maathai teve uma aproximação global ao desenvolvimento sustentável que "abraça a democracia, os direitos humanos e em particular os direitos da mulher".

EFE

‘Black Barbie’ em exposição em São Paulo

Bonecas Makena: Entrevista da minha neta Soffia no programa Metróp...

Bonecas Makena: Entrevista da minha neta Soffia no programa Metróp...

sábado, 24 de setembro de 2011

A Caixa Econômica Federal, a política do branqueamento e a poupança dos escravos, por Ana Maria Gonçalves

Uma imagem inédita de Machado

São tanto mais de admirar e até de maravilhar essas qualidades de medida, de tato, de bom gosto, em suma de elegância, na vida e na arte de Machado de Assis, que elas são justamente as mais alheias ao nosso gênio nacional e, muito particularmente, aos mestiços como ele. [...]. Mulato, foi de fato um grego da melhor época, pelo seu profundo senso de beleza, pela harmonia de sua vida, pela euritmia da sua obra.”

O trecho acima é de um artigo do jornalista, professor, crítico e historiador literário José Veríssimo, em artigo no Jornal do Comércio, um mês depois da morte de Machado. Causou espanto em muita gente, inclusive em Joaquim Nabuco, que lhe enviou uma carta: “Seu artigo no jornal está belíssimo, mas essa frase causou-me arrepio: ‘Mulato, foi de fato um grego da melhor época’. Eu não teria chamado o Machado mulato [itálico no original] e penso que nada lhe doeria mais do que essa síntese. Rogo-lhe que tire isso quando reduzir os artigos a páginas permanentes. A palavra não é literária e é pejorativa, basta ver-lhe a etimologia. O Machado para mim era um branco, e creio que por tal se tornava [sic]; quando houvesse sangue estranho, isso em nada afetava a sua perfeita caracterização caucásica. Eu pelo menos só vi nele o grego. O nosso pobre amigo, tão sensível, preferiria o esquecimento à glória com a devassa sobre suas origens”. É interessante perceber que o que causa espanto a Nabuco é Veríssimo ter chamado Machado de mulato, e não ter dito que as qualidades de medida, tato, bom gosto e elegância, na vida e na arte, eram alheias aos mestiços como ele, um neto de escravos. Pensamento condizente com um governo brasileiro que discutia a nossa condenação ao atraso e à pobreza de espírito, adquirida via mestiçagem. A solução seria tentar reproduzir, nos trópicos, a pureza de sangue europeia, sonho de consumo antigo das elites portuguesa, na época do Brasil colônia, e brasileira, pelo que parece, até os dias atuais.

A ideia de embranquecimentos dos brasileiros é antiga, e muitos eram abolicionistas não por questões humanitárias, mas porque acreditavam ser necessário estancar o quanto antes a introdução de sangue negro entre os nacionais. Em um ensaio publicado em Lisboa, em 1821, o médico e filósofo Francisco Soares Filho aponta a heterogeneidade do Brasil como o grande empecilho para o país se tornar um Estado Moderno: “Hum povo composto de diversos povos não he rigorosamente uma Nação; he um mixto de incoherente e fraco”. O livro de Andreas Hofbauer, Uma história do branqueamento ou o negro em questão, transcreve vários trechos do artigo de Francisco Soares Filho, “Ensaio sobre os melhoramentos de Portugal e do Brasil”, entre os quais destaco o que fala da necessidade e das vantagens de se promover a miscigenação controlada:

Os africanos, sendo muito numerosos no Brasil, os seus mistiços o são igualmente; nestes se deve fundar outra nova origem para a casta branca. (…) Os mistiços conservarão só metade, ou menos, do cunho Africano; sua côr he menos preta, os cabellos menos crespos e lanudos, os beiços e nariz menos grossos e chatos, etc. Se elles se unem depois à casta branca, os segundos mistiços tem já menos da côr baça, etc. Se inda a terceira geração se faz com branca, o cunho Africano perde-se totalmente, e a côr he a mesma que a dos brancos; às vezes inda mais clara; só nos cabellos he que se divisa huma leve disposição para se encresparem. (…) E deste modo teremos outra grande origem de augmento da população dos brancos, e quasi extinção dos pretos e mistiços desta parte do Mundo; pelo menos serão tão poucos que não entrarão em conta alguma nas considerações do Legislador.”

Hofbauer também cita o artigo de António d’Oliva de Souza Sequeira, “Addição ao projeto para o estabelecimento politico do reino-unido de Portugal, Brasil e Algarves”, de 1821, no qual, além de reforçar as ideias do benefício da mestiçagem de seu conterrâneo, aponta a necessidade de promover a imigração: “Como o Brasil deve ser povoado da raça branca, não se concederão benefícios de qualidade alguma aos pretos, que queirão vir habitar no paiz. (…) E como havendo mistura da raça preta com a branca, (…) terá o Brasil, em menos de 100 annos todos os seus habitantes da raça branca. (…) Havendo casamentos de brancos com indígenas, acabará a côr cobre; e se quizerem apressar a extinção das duas raças, estabeleção-se premios aos brancos, que se casarem com pretas, ou indígenas na primeira e segunda geração: advertindo, que se devem riscar os nomes de “mulato, crioulo, cabôco” e “indígena”; estes nomes fazem resentir odios, e ainda tem seus ressaibos de escravidão (…) sejão todos ‘Portuguezes!”.

(Um breve parênteses: não sei se sou apenas eu que consigo ver semelhanças entre o discurso acima, de 1821, com o de “esqueçamos isso de brancos, negros, amarelos etc… somos todos Brasileiros!”, muito comumente encontrados em artigos de Ali Kamel, Demétrio Magnoli e Yvonne Maggie, por exemplo, apoiados pelo requentamento da teoria da mestiçagem, feito por Gilberto Freyre.)

A ideia de que, em 100 anos, os brasileiros seriam todos brancos, foi atualizada em 1911 por João Batista Lacerda, diretor do Museu Nacional. Nessa época o cientificismo já tinha biologizado o conceito de raça, e o racismo brasileiro se dividia entre duas correntes de pensamento. A segregacionista, que dizia que a mestiçagem já nos tinha posto a perder e que nunca seríamos uma nação desenvolvida; e a assimilacionista, que apostava na salvação através do processo de branqueamento, com imigrantes europeus. Apostando sempre no seu povo, essa última tornou-se a posição oficial do governo brasileiro, que tentava vender, no exterior, a ideia de um país com grande futuro à espera dos europeus; ou à espera de europeus, para ser mais exata. Participávamos de feiras e congressos internacionais, disputando imigrantes com Argentina, Chile e Estados Unidos, e o discurso de Lacerda, representante brasileiro no I Congresso Universal de Raças, em Londres, tenta aplacar o medo dos europeus de compartilharem o Brasil com uma raça inferior: “(…) no Brasil já se viram filhos de métis (mestiços) apresentarem, na terceira geração, todos os caracteres físicos da raça branca [...]. Alguns retêm uns poucos traços da sua ascendência negra por influência dos atavismos(…) mas a influência da seleção sexual (…) tende a neutralizar a do atavismo, e remover dos descendentes dos métis todos os traços da raça negra(…) Em virtude desse processo de redução étnica, é lógico esperar que no curso de mais um século os métis tenham desaparecido do Brasil. Isso coincidirá com a extinção paralela da raça negra em nosso meio“.

A elite intelectual brasileira, formada por literatos, políticos, cientistas e empresários, indignada com as declarações do diretor do Museu Nacional, foi debater nos jornais e revistas. Alguns clamavam que 100 anos era um absurdo de tempo, que o apagamento do negro se daria em muito menos. Outros debochavam do otimismo de Lacerda, como o escritor Silvio Romero, que acreditava que o processo, que todos concordavam ser irreversível, levaria, pelo menos, uns seis ou oito séculos. Mas todos concordavam que era apenas uma questão de tempo, desde que o Brasil continuasse a promover a entrada de brancos europeus, a não fazer nada para integrar os negros que já estavam no país ou para baixar a taxa de mortalidade entre eles, e a dificultar a entrada de novos africanos. De fato, o governo brasileiro financiou a vinda de imigrantes europeus, não fez absolutamente nada que ajudasse escravos e libertos e proibiu a entrada de africanos. Um decreto de 28 de junho de 1890 diz que estava proibida a entrada de africanos no Brasil, e é reforçado por outros em 1920 e 1930, quando os banidos não necessariamente precisam ser africanos, mas apenas parecer. Em 1945, um decreto lei não mais proíbe, mas diz que:

Art. 1o – Todo estrangeiro poderá, entrar no Brasil desde que satisfaça as condições estabelecidas por essa lei.

Art. 2o – Atender-se-á, na admissão de imigrantes, à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência européia, assim como a defesa do trabalhador nacional.

Imigração europeia

Tal decreto, me parece que foi revogado apenas em 1980. Mas as “características mais convenientes” da nossa ascendência europeia ainda são as desejáveis e estimuladas pelo governo, como nos mostra, exatamente 100 anos depois do pronunciamento de João Batista Lacerda, diretor do Museu Nacional, esse comercial da Caixa Econômica Federal (ver comercial do mês de setembro.

O fato mais visível é o branqueamento de Machado de Assis. Sobre esse assunto, que é longo e complexo, sugiro a entrevista com o professor Eduardo de Assis Duarte e, para quem quiser se aprofundar um pouco mais, a leitura de seu livro “Machado de Assis Afrodescendente: escritos de caramujo.” Veríssimo, atendendo ao apelo de Nabuco, nunca incluiu o artigo em seus livros; e para acabar com qualquer dúvida quanto à mulatice, a certidão de óbito de Joaquim Maria Machado de Assis diz que o grande escritor, da “cor branca”, faleceu de “arteriosclerose”. Questionada pelo ato falho, a assessoria de imprensa da Caixa se manifestou, dizendo que “o banco sempre se notabilizou pela sua atuação pautada nos princípios da responsabilidade social e pelo respeito à diversidade. Portanto, a Caixa sempre busca retratar em suas peças publicitárias toda a diversidade racial que caracteriza o nosso país”. Mas há também outro fato interessante no universo europeizado do comercial: no Rio de Janeiro de 1908, circulam apenas brancos. O comercial, assinado por “Caixa – 150 anos” e “Governo Federal – País rico é país sem pobreza”, apaga completamente as presenças negra e mestiça da capital federal do início do século. Tais atitudes colocam o governo como propagador e vítima das políticas oficiais de branqueamento da população e de ensino deficiente, voltado para o descaso com e o esquecimento do passado escravocrata brasileiro. Tivessem os profissionais envolvidos na criação, produção e aprovação de tal comercial estudado um pouco mais a vida dos africanos no Brasil, não teriam cometido erros tão banais. E tão graves, porque em nome de um governo e de uma instituição que diz ter uma história construída por todos os brasileiros, mas que parece, nesse caso, retratar apenas aqueles brasileiros que sempre foram mais brasileiros do que os outros. A nossa desigualdade entre iguais.

Tivessem esses profissionais dado uma olhada nos levantamentos demográficos da época (embora “raça” não tenha entrado nas estatísticas entre 1890 e 1940 – porque “éramos todos brasileiros”…) ou nas crônicas publicadas em jornais e revistas da época, ou o interesse de conhecerem um pouco melhor o assunto em questão, saberiam que a população negra e mestiça do Rio de Janeiro deveria ser, no mínimo, 30 e 40% do total, mas aparentava ser muito mais. A então capital federal, onde já era numerosa a presença de escravos e libertos, recebeu grandes contingentes de negros e mulatos após a assinatura da Lei Áurea, chegados das áreas rurais e de diversas partes do Brasil. Eles eram, então, a maioria a circular pelas ruas, em busca de emprego, que não havia, ou fazendo bicos, tentando se adaptar à nova realidade. Uma “sociedade movediça e dolorosa”, como nos contam as crônicas de João do Rio, entre tantas outras tão fáceis quantos de achar, caso houvesse interesse.

E por falar em “movediça e dolorosa”, é interessante também perceber como o governo retrata os escravos em outro comercial (ver mês de maio) referente à comemoração dos 150 anos da Caixa, o “Libertos”.

O comercial nos faz acreditar que a “poupança dos escravos” havia sido uma iniciativa progressista da Caixa quando, na verdade, foi um retrocesso nas “leis informais” que regulavam as iniciativas de compra de liberdade, e uma forma de o governo brasileiro, já no final da escravidão, lucrar um pouco mais com a exploração do trabalho escravo. Há um estudo interessante sobre essa poupança, “A poupança: alternativas para a compra da alforria no Brasil (2a metade do Século XIX)”, da historiadora e professora Keila Grinberg, que vou tentar resumir aqui, em meio a outras informações. É importante entender o cenário em que a “poupança dos escravos” foi lançada.

Após a Revolução Industrial, a Inglaterra buscava novos mercados consumidores para seus produtos e, vendo a escravidão com um dos grandes entraves, promulgou unilateralmente o Slave Trade Suppression Act de 1845, conhecido no Brasil como Bill Aberdeen. O ato considerava como sendo pirataria o comércio de escravos entre a África e as Américas, e a Inglaterra poderia abordar qualquer navio em atividade suspeita e liberar a carga humana. Muitos desses africanos foram levados para colônias inglesas no Caribe, onde trabalharam sob condições bem parecidas com a escravidão. Vários navios brasileiros foram aprendidos e destruídos, gerando uma série de incidentes diplomáticos que, em conjunção com outros fatores, levaram o Brasil a parar com o tráfico. Na verdade, a pressão era para que o Brasil obedecesse a Lei Feijó, também conhecida como “lei para inglês ver”, promulgada em 7 de novembro de 1831, que dizia:

A Regência, em nome do Imperador o Senhor Dom Pedro Segundo, faz saber a todos os súditos do Império, que a Assembléia Geral decretou, e ela sancionou a Lei seguinte:

Art. 1º. Todos os escravos, que entrarem no território ou portos do Brasil, vindos de fora, ficam livres.

Essa lei nunca foi obedecida e precisou ser reforçada com a Lei Eusébio de Queirós, aprovada em 4 de setembro de 1850:

Art. 1: As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros ou mares territoriais do Brasil, tendo a seu bordo escravos, cuja importação é proibida pela lei de 7 de novembro de 1831, ou havendo-os desembarcado, serão apreendidas pelas autoridades, ou pelos navios de guerra brasileiros, e consideradas importadoras de escravos. Aquelas que não tiverem escravos a bordo, nem os houverem proximamente desembarcado, porém que se encontrarem com os sinais de se empregarem no tráfego de escravos, serão igualmente apreendidas e consideradas em tentativa de importação de escravos.

Inicialmente, a Lei Eusébio de Queirós também teve pouquíssimo efeito, fazendo inclusive com que o tráfico se intensificasse. Como a vida útil de um escravo era curta, e as condições dos cativeiros brasileiros nunca foram ideais para a reprodução, como acontecia, por exemplo nos EUA, os exploradores de trabalho escravo trataram de garantir um bom estoque de peças, começando a pensar, inclusive, que a escravidão, algum dia, poderia ter fim. Quando a Inglaterra intensificou o controle nos mares, começou então o aumento do comércio interno, com as províncias do Rio de Janeiro e São Paulo, ancoradas na lucrativa economia cafeeira, importando peças do norte e nordeste. Possuir escravos que se tornavam cada vez mais caros, então, começou a ser coisa de “gente grande”, com a diminuição da entrada de peças de reposição e a crescente demanda da indústria cafeeira, base da economia brasileira da ápoca. O Brasil passava por grandes transformações, e outras duas leis importantes também foram promulgadas em 1850, a Lei das Terras e a lei do Código Comercial, ambas com profundas ligações com a escravatura.

Começando a se pensar pela primeira vez em um Brasil sem escravos, a Lei das Terras defendia os interesses dos grandes latifundiários, garantindo-lhes o direito de regularizar a posse das terras que ocupavam. As terras não ocupadas passaram a ser do Estado e só poderiam ser adquiridas em leilões, com pagamento à vista, impossibilitando que ex-escravos (e possíveis colonos, porque já se discutia uma política de imigrações), quando libertados, se tornassem proprietários através de ocupações.

O Código Comercial regulamentava a criação de sociedades anônimas e comerciais, uma necessidade por causa das reorientações na economia brasileira. Não tendo mais condições de comprar escravos, a gente “média” e “miúda” começou a ter outras necessidades de crédito e a se interessar por outros bens de consumo, aumentando a importação de bens estrangeiros. Em 1851, por exemplo, surgiu no Rio de Janeiro o Banco do Commercio e da Indústria que, junto com outros bancos, passou a receber depósitos e a emprestar dinheiro. Foi esse banco que, em 1853, depois de uma fusão com o Banco Commercial do Rio de Janeiro, deu origem ao Banco do Brasil. Segundo Keila Grinberg, “(…) Com isso, o crescimento das atividades comerciais no país, devido principalmente à prosperidade dos negócios do café, foi facilitado pelo aumento da emissão de moeda, e pela autorização, por parte do governo imperial, da realização de várias operações comerciais pelos bancos”. Em 1857 já havia vários bancos oferecendo esses serviços, mas a crise no setor cafeeiro e o grande número de instituições privadas, levou o governo a centralizar a atividade bancária, principalmente as de poupança e crédito, através da Lei dos Entraves, de 1860. Foi através dessa lei que o Governo Imperial criou a Caixa Econômica, que entrou em atividade em 1861 como o primeiro banco que receberia “as pequenas economias das classes menos abastadas”, nos moldes de várias instituições privadas de grande sucesso nos EUA e na Europa.

As Caixas prestariam os serviços de depósito em poupança e de empréstimos tendo como garantia a penhora de bens. Com isso, o governo buscava “centralizar no Estado as economias dos poupadores, de pequenos a grandes, de modo que o montante arrecadado pudesse contribuir para o desenvolvimento da infra-estrutura do país, como aconteceu nos Estados Unidos, onde a poupança alavancou o investimento em ferrovias, centros de tratamento de água e esgoto e canais”. A princípio, a arrecadação não foi muito grande, ao contrário da procura por empréstimos, e só melhorou um pouco a partir de 1864, com a quebra de várias instituições concorrentes.

A Lei do Ventre Livre, de 1871, reconheceu, entre outras coisas, o direito do escravo formar pecúlio. Na verdade isso já acontecia havia muito tempo. Escravos se reuniam em associações (Juntas ou Irmandades) auto-regulamentadas e contribuiam para um fundo comum que, entre outras coisas, servia para a compra de cartas de alforrias de seus associados. A novidade da lei é que, diferente do que acontecia antes, se o escravo tivesse dinheiro suficiente a carta de alforria não poderia mais ser negada pelo seu dono. A Caixa Econômica então passou a aceitar depósitos de escravos, mas a caderneta de poupança teria que ser aberta em nome dos seus donos, porque o decreto de fundação, de 1861, dizia:

“Não serão admittidos, como depositantes ou abonadores, os menores, escravos, e mais indivíduos que não tiverem a livre administração de sua posse e bens”

E para que o escravo tivesse certeza disso, de que não era dono daquele dinheiro e daquela “poupança do escravo”, Keila Grinberg nos conta que “todas as cadernetas de escravos eram riscadas onde aparecia a palavra ‘senhor’ antes do espaço destinado à redação do nome do poupador. Para que não restasse dúvidas de que poupar não fazia de nenhum escravo, um senhor.

Isso significa que a “poupança dos escravos” criada pela Caixa Econômica Federal não é nenhuma novidade entre as modalidades de se juntar dinheiro para a compra da carta de alforria, e ainda é um retrocesso, no sentido de proibir depósitos em nome de escravos. Caixas Econômicas não estatais, surgidas na década de 1830 na Bahia, em Pernambuco, Alagoas, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio de Janeiro, seguindo o modelo das caixas existente em outros países escravistas das Américas, não tinham essa proibição. Então, o que a Caixa Econômica Federal fez, em 1872, ao oficializar a “poupança dos escravos”, foi permitir e reafirmar que o controle do dono sobre o escravo, com a tutela do Estado, fosse exercido inclusive sobre algo que, de comum acordo entre dono e escravo poderia ficar, anteriormente, sob a responsabilidade do escravo. Antes de oficializar essa proibição, inclusive, a própria Caixa “aceitava” depósitos de escravos, como prova a existência da caderneta de poupança de número 12.729: “mesmo à margem da lei, entre 1867 e 1869, a escrava Luiza depositou religiosamente 5 mil réis por mês com o aval de D. Antonia Luiza Simonsen, sua senhora’, escreve Grinberg. A poupança dos escravos de ganho coloca-os novamente sob a tutela de seus senhores.

Escravos de ganho nas ruas do Rio, por Debret

Luiz Carlos Soares nos dá uma ideia da vida de um escravo de ganho no Rio de Janeiro, em sua tese “Urban Slavery in Nineteenth Century Rio de Janeiro”: “Uma parcela considerável desses cativos [que andavam pelas ruas do Rio] era constituída pelos escravos de ganho. Estes desenvolviam as mais diversas modalidades de comércio ambulante, carregando as suas mercadorias em cestos e tabuleiros à cabeça, ou transportavam, sozinhos ou em grupos, os mais variados tipos de cargas, ou ainda ofereciam os seus serviços em quaisquer eventualidades, até mesmo no transporte de pessoas em seus ombros pelas ruas da cidades nos dias chuvosos ou carregando em suas cabeças barris com os dejetos das residências que à noite eram jogados ao mar.” Profissões mais especializadas, como sapateiros, barbeiros, joalheiros, ou até mesmo mendicância e prostituição, estavam entre as atividades exercidas pelos escravos de ganho. São esses os escravos retratados no comercial “Liberdade” da Caixa, todos saudáveis, “higienizados”, sorridentes e bem tratados. A realidade, no entanto, era bem outra. Alguns realmente conseguiam se dar bem, sendo capazes de juntar boa quantidade de dinheiro; mas eram exceções. O que valia a pena, nessa modalidade, era o escravo ter um pouco mais de liberdade em relação aos escravos rurais ou domésticos, sob maior vigilância. Os escravos de ganho eram mandados para a rua por seus senhores, onde deveriam trabalhar para pagar o “jornal”, ou seja, uma quantia diária, semanal ou mensal estipulada pelo dono. Era o excedente desse jornal, se houvesse, que os escravos poderiam poupar para empregar no que bem quisessem, desde o complemento à alimentação deficiente, roupas, aluguel de um cômodo para morar longe do senhor, ou a carta de alforria. E era esse excedente que, em nome do dono, poderia ser depositado na “poupança dos escravos”, na esperança de, um dia, ser suficiente para comprar a liberdade; o que se tornava cada vez mais difícil.

A partir de 1850, com a venda maciça de escravos para as zonas cafeeiras, o número de escravos diminuiu consideravelmente na cidade do Rio de Janeiro. O recenseamento realizado em 1872, ano de lançamento da poupança de escravos, conta que eles eram, ao todo, 37.567, dos quais 5.785 eram criados (escravos de aluguel para serviços domésticos) e jornaleiros (de ganho). Escravos de ganho já não eram bom negócio. Em alguns setores mais lucrativos, como o de transporte, eles estavam perdendo espaço para trabalhadores livres, melhor organizados e de melhor aparência; em sua maioria imigrantes pobres portugueses. Esse é o cenário quando a Caixa Econômica Federal decide aceitar dinheiro de trabalho escravo – desde que em nome do donos, é sempre bom lembrar -. Com a alta sucessiva do preço, e com seus donos usando métodos legais e ilegais para manter os escravos que possuíam, as compras de cartas de alforria se tornaram raríssimas depois da Lei de 1871. “Que não restem dúvidas: a alforria custava caro. Para se ter uma ideia, entre 1860 e 1865 o preço médio pago por um escravo para ficar livre variou entre 1:350.000 réis e 1:400.000 réis, mas chegou a mais de 1:550.000 réis em 1862. Evaristo, depois de três anos de poupança acumulou irrisórios 8.100 réis. Luiza, aquela que depositava com consentimento da sua senhora Antonia Luiza Simonsen, chegou a pouco mais de 200.000 réis”, lembra Grinberg.

Provavelmente, foram raríssimos os que conseguiram comprar suas cartas de alforria através das cadernetas dos escravos, como a escrava Joana do comercial. Aplicados no banco, os recursos destinados à compra de sonho serviam para aumentar os lucros da Caixa que, segundo o estatuto de criação, podia utilizar o dinheiro das poupanças para fazer empréstimos, a juros, através do Monte de Socorro, com as penhoras. Talvez isso também pudesse ser chamado de exploração de mão de obra escrava. Da qual, hoje, a Caixa de orgulha, a ponto de apresentar como um dos grandes feitos a ser comemorado em seus 150 anos de existência. Ironicamente, ou não – pois realmente quero acreditar que é fruto da profunda ignorância histórica e da falta de sensibilidade -, o confessional foi exibido no mês de maio, para ser potencializado e remetido à Lei Áurea. Coisas da propaganda, que talvez pudesse ser usada para nos responder duas perguntas:

- O que foi feito do dinheiro dessas cadernetas de poupança quando aconteceu a abolição? O dinheiro era dos escravos, o excedente do que tinham que pagar ao dono, mas não estava no nome deles. Eles conseguiram recuperar essas economias?

- Em 1872, quando foi criada a “caderneta dos escravos”, dirigida aos escravos de ganho, já fazia 41 anos que o tráfico atlântico de escravos estava proibido. Visto que a maioria dos escravos de ganho era composta por africanos (Luiz Carlos Soares nos informa que, na segunda metade do XIX, na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, dos 2.869 pedidos de concessão de licença para trabalhar ao ganho, 2.195 eram para africanos), a Caixa, antes de aceitar a abertura das cadernetas, checava se tinham entrado legalmente no Brasil (é bom lembrar que, em 1900, a expectativa de vida do brasileiro era de 33,4 anos, sendo a dos escravos bem menor que a dos não-escravos), ou era cúmplice dos que tinham sequestrado, capturado e mantido ilegalmente africanos em cárcere privado e trabalhos forçados, conforme as leis de 1831 e 1850?

Seria bom que a Caixa Econômica Federal investigasse a possibilidade de ter cometido erros e, se for o caso, se retratasse. Pelo branqueamento de Machado e por ter lucrado, talvez ilegalmente, com o dinheiro dos escravos, e fazer disso motivo de orgulho. Se não por toda a população afrodescendente brasileira, pelos seus mais de 14.000 funcionários homenageados em um belíssimo comercial comemorando o Dia da Consciência Negra.

Para que eles não se sintam usados. Para que nós não nos sintamos enganados por meras e belas campanhas de marketing. Para que este país comece a conhecer e respeitar sua História. Para que as palavras de sua assessoria não sejam propaganda enganosa: “O banco sempre se notabilizou pela sua atuação pautada nos princípios da responsabilidade social e pelo respeito à diversidade.” Que assim seja!

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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Reconhecer a diversidade para mudar a sociedade. Entrevista especial com Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva

23/09/2011 por

Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva

Com o objetivo de falar sobre o rosto africano, esteve na Unisinos na última semana a professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, da Universidade Federal de São Carlos. Na ocasião, ela concedeu pessoalmente a entrevista a seguir para a IHU On-Line, quando afirmou que “existem dificuldades de relação entre os grupos étnico-raciais decorrentes de uma visão segundo a qual a nossa sociedade seria monocultural ou preferencialmente de raiz europeia, quando nossa sociedade é notadamente de raiz indígena, dos povos originários e também africana”.

Para ela, “o país, como um todo, quer se ver única ou preferencialmente de raiz europeia. Esse é o problema central. Somos uma sociedade pluricultural, diversa e que cria um mito de que viveríamos todos tão harmonicamente que teríamos nos esquecido de nossas raízes. E esse mito funciona na medida em que as pessoas se convertem a um modo de ser que não é o seu próprio, sendo que essa conversão anula sua raiz básica”. E completa: “as pessoas costumavam dizer que o racismo no Rio Grande do Sul devia ser maior porque havia muita influência europeia, e eu, como eu sou gaúcha de Porto Alegre, sempre disse que é difícil medir isso. Mas desde as últimas manifestações que temos visto, começo a crer que quem vê de fora parece que vê melhor”.
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva possui graduação em Português e Francês, mestrado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutorado em Ciências Humanas – Educação pela mesma universidade. Cursou especialização em Planejamento e Administração da Educação no Instituto Internacional de Planejamento da Unesco, em Paris. Realizou estágio de pós-doutorado em Teoria da Educação, na University of South Africa, em Pretoria, África do Sul. Por indicação do Movimento Negro, foi conselheira da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, mandato 2002-2006. Nesta condição foi relatora do Parecer CNE/CP 3/2004 que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana e participou da relatoria do Parecer CNE/CP 3/2005 relativo às Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia. Atualmente, é professora na Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como a senhora descreve o rosto africano aqui no Brasil? O que o caracteriza?
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva – A cor da pele, que todo mundo vê, de saída; a ancestralidade; a cultura e a história enraizada na África; o modo de ser e viver; e a religiosidade. É isso que caracteriza o rosto africano no Brasil e na América Latina.
IHU On-Line – Como a questão étnico-racial aparece na educação brasileira hoje?
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva – Não sei se temos uma questão étnico-racial. Existem dificuldades de relação entre os grupos étnico-raciais decorrentes de uma visão segundo a qual a nossa sociedade seria monocultural ou preferencialmente de raiz europeia, quando nossa sociedade é notadamente de raiz indígena, dos povos originários e também africana. A metade da população brasileira, segundo mostra o Censo, é formada por pretos e pardos, ou seja, por pessoas majoritariamente de raiz africana. O país, como um todo, quer se ver única ou preferencialmente de raiz europeia. Esse é o problema central. Somos uma sociedade pluricultural, diversa e que cria um mito de que viveríamos todos tão harmonicamente que teríamos nos esquecido de nossas raízes. E esse mito funciona na medida em que as pessoas se convertem a um modo de ser que não é o seu próprio, sendo que essa conversão anula sua raiz básica. Nós, negros, temos uma raiz africana. Evidentemente, ela foi sendo recriada no Brasil, até nas condições de escravismo. Fomos um povo tratado não como pessoas, mas como objetos. Mesmo nessa situação, esse povo recriou suas raízes. O importante é que nesse contato, que infelizmente não foi nada cordial, muito pelo contrário, houve uma recriação, o que permitiu que fossem aprendendo uns com os outros. Mas isso não significa que deixamos de ser quem somos; a base, a raiz, não morre.
IHU On-Line – Qual a importância do Parecer que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana?
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva – Diante dessa dificuldade de relações igualitárias entre negros e não negros era preciso que houvesse uma determinação legal. As leis são feitas justamente para corrigir distorções. Nesse sentido, é bastante significativo o início deste século. Durante todo o século XX o Movimento Negro brasileiro mostrou a importância de se conhecer a história e a cultura dos afro-brasileiros para que eles sejam respeitados como construtores dessa nação. Quando a lei10.639 [1] é aprovada, esse foi um ganho do Movimento Negro, e não uma concessão como alguns pensam. Em 2008, a lei 11.645 acrescenta a importância de se conhecer a história e a cultura dos povos indígenas. Quando se começou a formular este parecer no Conselho Nacional de Educação (eu era conselheira indicada pelo Movimento Negro), nós pensávamos na educação das relações étnico-raciais e sabíamos que chegaríamos à história e à cultura porque havia múltiplas experiências que deram condições para que se formulassem as diretrizes nos termos em que foram formuladas.

O Movimento Negro mostrava, ao longo do século XX, que, para que as pessoas convivam respeitosamente, elas devem conhecer umas às outras e devem conhecer a história e a cultura. Não podem conhecer somente a de um povo como sendo suas raízes. Uma das principais dificuldades de fazer tudo isso é porque conhecer essa história traz à tona muitas dores e talvez até muita culpa. Se para os filhos dos antigos negros escravizados é doloroso, também não deve ser fácil para os descendentes dos escravizadores ou traficantes. No entanto, as pessoas não devem se sentir culpadas pelo que seus antepassados fizeram, mas elas têm uma responsabilidade, que é a de corrigir o que foi feito. E, para isso, é preciso conhecer, respeitar e valorizar a história de cada um.
IHU On-Line – Como a lei está sendo implementada e qual a especificidade da região sul nesse cenário?
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva – A dificuldade da implementação talvez advenha deste aspecto da dor e da culpa, da qual acabei de falar, ou pode vir da crença que alguns têm de que são superiores a outros. Isso exige outra mentalidade, outra maneira de as pessoas se relacionarem. Ao afirmar que é preciso estudar a história e a cultura afrobrasileira e africana, o Parecer e o fato de haver até uma lei sobre isso, significam o reconhecimento de que este é o povo menos valorizado nesse país. É uma política pública de reconhecimento da maior importância.

Sobre a especificidade na região, não tenho muitos dados. Mas o que temos visto é que, aqui na região sul, ocorrem manifestações explícitas de racismo mais cruéis do que em outras regiões. As pessoas costumavam dizer que o racismo no Rio Grande do Sul devia ser maior porque havia muita influência europeia, e eu, como eu sou gaúcha de Porto Alegre, sempre disse que é difícil medir isso. Mas desde as últimas manifestações que temos visto, começo a crer que quem vê de fora parece que vê melhor.
IHU On-Line – Quem é a mulher negra brasileira hoje? Quais suas marcas?
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva – O que marca a mulher negra é a garra e a luta pela sobrevivência do seu povo. Ela mantém a raiz do período da escravidão e orgulho do pós-abolição.
IHU On-Line – Como a academia pode contribuir para o debate sobre a diversidade étnico-racial e o que a senhora pensa sobre as cotas para os negros nas universidades?
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva – A academia deve, antes de mais nada, reconhecer que a sociedade é plural. A política de cotas e outras de ações afirmativas, quando são implantadas, mostram que a universidade adota uma política institucional. Pela primeira vez as universidades começam a adotar políticas que visam a uma equidade social. Elas se dão conta de que fazem parte da sociedade; não são algo separado ou um lugar em que algumas pessoas se isolariam para iluminar a sociedade. Não é isso. A própria universidade deve ser iluminada pela sociedade. A universidade não pode estar a serviço de um grupo.
IHU On-Line – Qual a contribuição da literatura brasileira para a construção da imagem em torno do negro no Brasil hoje?
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva – Depende de quem escreve. Teve um debate interessante, porém doloroso, a partir do parecer do Conselho Nacional de Educação, que deu resposta a um pai, que fez uma denúncia do estudo que seu filho fazia do livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, na escola, e que tem palavras pejorativas e agressivas contra a personagem Tia Anastácia. Por que chamam as crianças negras de “negrinho-carvão”? As crianças leem Monteiro Lobato, que é autoridade por ser um grande escritor, então acham que podem chamar seu colega desta forma.
IHU On-Line – E Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre?
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva – Esse é mais do que simplesmente um livro muito bem escrito. Ele serve de base para justificar o mito da democracia racial, de que vivemos todos harmoniosamente, somos felizes e nos amamos, quando não é isso, a tal ponto que nos esquecemos até quais são nossas raízes. Por isso a cultura europeia é a predominante. É essa luta por reconhecimento da diversidade que esperamos que mude a sociedade, que as pessoas vivam bem e não tenham que brigar pelo que lhes é de direito.
Nota:
[1] A lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, altera a lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional para incluir no currículo oficial das redes de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências.

JORNAL CONEXÃO AFRO

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

CEF , MACHADO DE ASSIS- NOTA DA SEPPIR

Nota da Seppir sobre a Campanha dos 150 anos da Caixa Econômica Federal

Data: 19/09/2011

A CEF tem, em muitos momentos, assegurado em seus anúncios a representação da diversidade étnico-racial e de gênero. A homenagem ao poeta Oliveira Silveira no 20 de Novembro de 2009/2010, é um exemplo significativo de reconhecimento da contribuição cultural e literária dos afrodescendentes.

No entanto, deve-se lamentar o episódio da campanha que traz Machado de Assis, um dos primeiros poupadores da Caixa, representado por um ator branco. Uma solução publicitária de todo inadequada por contribuir para a invisibilização dos afro-brasileiros, distorcendo evidências pessoais e coletivas relevantes para a compreensão da personalidade literária de Machado de Assis, de sua obra e seu contexto histórico.

O episódio acontece exatamente no momento em que estamos, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir-PR) e a CEF, construindo um termo de cooperação que envolve, entre outros, aspectos relacionados à representação de pessoas negras nas ações de comunicação.

Assim, a Ouvidoria Nacional da Igualdade Racial, órgão da Seppir, recebeu denúncia instruída pelo senhor Julio Ribeiro Xavier e outros, sobre a campanha da Caixa que, conforme o denunciante “embranqueceu Machado de Assis”. De acordo com o ouvidor da Seppir, Carlos Alberto Junior, imediatamente providenciou-se a autuação, que gerou um Procedimento Administrativo sob o nº 00041.001108/2011-02.

Entre as medidas adotadas até o momento, foram encaminhados pedidos de providencias para a Presidência e Ouvidoria da Caixa Econômica Federal, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom/PR) e o Ministério Público Federal.

A Seppir entende que, em respeito a sua contribuição na valorização da diversidade brasileira, a Caixa deve corrigir a produção deste vídeo, reconhecendo o equívoco e considerando o diálogo que vem mantendo com a sociedade ao longo da sua trajetória institucional.

Coordenação de Comunicação SEPPIR

CEF, MACHADO DE ASSIS - SEPPIR

Carta à Seppir sobre campanha da Caixa

Data: 21/09/2011

Carta à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República sobre campanha dos 150 anos da Caixa Econômica Federal

A Caixa Econômica Federal reafirma a esta secretaria e aos movimentos sociais por ela defendidos o seu compromisso com a responsabilidade social e o respeito à diversidade. Esta instituição sempre estará alinhada com política de igualdade do nosso Governo Federal, regida pela justiça social e oportunidade para todos.

Em suas peças publicitárias, a CAIXA sempre buscou retratar a diversidade que caracteriza o nosso país, como pode ser demonstrado nas campanhas elaboradas em parceria e com o apoio dos movimentos sociais e da própria Seppir.

No entanto, a CAIXA pede desculpas por sua última peça publicitária comemorativa aos 150 anos do banco, que teve como personagem o escritor Machado de Assis. A CAIXA lamenta que a peça não tenha caracterizado o escritor, que era afro-brasileiro, com sua origem racial.

A CAIXA informa que suspendeu a veiculação e tomou providencias para anulação do pagamento da campanha, elaborada por agência publicitária contratada pelo banco.

Como ressaltou esta secretaria em sua nota, o episódio acontece exatamente no momento em que estamos, a Seppir e a CAIXA, construindo um termo de cooperação que envolve, entre outros, aspectos relacionados à representação de pessoas negras nas ações de comunicação. Como dito, esta não será a primeira nem a última ação de comunicação da CAIXA no intuito de promover a igualdade. Desde sua fundação a CAIXA é o banco de TODOS os brasileiros. E este compromisso está pautado em nossas ações e campanhas como:

- Produção e veiculação, na semana em que se comemora o Dia da Consciência Negra, de um filme elaborado a partir de um poema do gaúcho Oliveira Silveira, conhecido como ‘poeta da consciência negra’, em novembro de 2009 e novembro de 2010: http://www.youtube.com/watch?v=Sh7HKL6oSGM

- Parceria com a Secretaria de Política e Promoção da Igualdade Racial, que prevê divulgação da campanha ‘Igualdade é para valer – 2011’, Ano Internacional dos Afrodescendentes;

- Produção e veiculação do filme ‘Liberdade’, em comemoração aos 150 anos da Caixa, exibido em maio de 2011: : http://www.youtube.com/watch?v=lLLaqm89ygo;

- Patrocínio da Oficina de Ferramentas Afrodescendentes - Edital Artesanato 2011;

- Patrocínio do Espetáculo Orfeu da Conceição - Tragédia Carioca, em 2010;

- Patrocínio do Troféu Raça Negra 2008 e 2010;

Caixa Econômica Federal

CEF, MACHADO DE ASSIS

REVISTA FÓRUM
http://revistaforum.com.br/idelberavelar/2011/09/18/a-caixa-economica-federal-a-politica-do-branqueamento-e-a-poupanca-dos-escravos-por-ana-maria-goncalves/

A Caixa Econômica Federal, a política do branqueamento e a poupança dos escravos,

por Ana Maria Gonçalves

Uma imagem inédita de Machado

São tanto mais de admirar e até de maravilhar essas qualidades de medida, de tato, de bom gosto, em suma de elegância, na vida e na arte de Machado de Assis, que elas são justamente as mais alheias ao nosso gênio nacional e, muito particularmente, aos mestiços como ele. [...]. Mulato, foi de fato um grego da melhor época, pelo seu profundo senso de beleza, pela harmonia de sua vida, pela euritmia da sua obra.”

O trecho acima é de um artigo do jornalista, professor, crítico e historiador literário José Veríssimo, em artigo no Jornal do Comércio, um mês depois da morte de Machado. Causou espanto em muita gente, inclusive em Joaquim Nabuco, que lhe enviou uma carta: “Seu artigo no jornal está belíssimo, mas essa frase causou-me arrepio: ‘Mulato, foi de fato um grego da melhor época’. Eu não teria chamado o Machado mulato [itálico no original] e penso que nada lhe doeria mais do que essa síntese. Rogo-lhe que tire isso quando reduzir os artigos a páginas permanentes. A palavra não é literária e é pejorativa, basta ver-lhe a etimologia. O Machado para mim era um branco, e creio que por tal se tornava [sic]; quando houvesse sangue estranho, isso em nada afetava a sua perfeita caracterização caucásica. Eu pelo menos só vi nele o grego. O nosso pobre amigo, tão sensível, preferiria o esquecimento à glória com a devassa sobre suas origens”. É interessante perceber que o que causa espanto a Nabuco é Veríssimo ter chamado Machado de mulato, e não ter dito que as qualidades de medida, tato, bom gosto e elegância, na vida e na arte, eram alheias aos mestiços como ele, um neto de escravos. Pensamento condizente com um governo brasileiro que discutia a nossa condenação ao atraso e à pobreza de espírito, adquirida via mestiçagem. A solução seria tentar reproduzir, nos trópicos, a pureza de sangue europeia, sonho de consumo antigo das elites portuguesa, na época do Brasil colônia, e brasileira, pelo que parece, até os dias atuais.

A ideia de embranquecimentos dos brasileiros é antiga, e muitos eram abolicionistas não por questões humanitárias, mas porque acreditavam ser necessário estancar o quanto antes a introdução de sangue negro entre os nacionais. Em um ensaio publicado em Lisboa, em 1821, o médico e filósofo Francisco Soares Filho aponta a heterogeneidade do Brasil como o grande empecilho para o país se tornar um Estado Moderno: “Hum povo composto de diversos povos não he rigorosamente uma Nação; he um mixto de incoherente e fraco”. O livro de Andreas Hofbauer, Uma história do branqueamento ou o negro em questão, transcreve vários trechos do artigo de Francisco Soares Filho, “Ensaio sobre os melhoramentos de Portugal e do Brasil”, entre os quais destaco o que fala da necessidade e das vantagens de se promover a miscigenação controlada:

Os africanos, sendo muito numerosos no Brasil, os seus mistiços o são igualmente; nestes se deve fundar outra nova origem para a casta branca. (…) Os mistiços conservarão só metade, ou menos, do cunho Africano; sua côr he menos preta, os cabellos menos crespos e lanudos, os beiços e nariz menos grossos e chatos, etc. Se elles se unem depois à casta branca, os segundos mistiços tem já menos da côr baça, etc. Se inda a terceira geração se faz com branca, o cunho Africano perde-se totalmente, e a côr he a mesma que a dos brancos; às vezes inda mais clara; só nos cabellos he que se divisa huma leve disposição para se encresparem. (…) E deste modo teremos outra grande origem de augmento da população dos brancos, e quasi extinção dos pretos e mistiços desta parte do Mundo; pelo menos serão tão poucos que não entrarão em conta alguma nas considerações do Legislador.”

Hofbauer também cita o artigo de António d’Oliva de Souza Sequeira, “Addição ao projeto para o estabelecimento politico do reino-unido de Portugal, Brasil e Algarves”, de 1821, no qual, além de reforçar as ideias do benefício da mestiçagem de seu conterrâneo, aponta a necessidade de promover a imigração: “Como o Brasil deve ser povoado da raça branca, não se concederão benefícios de qualidade alguma aos pretos, que queirão vir habitar no paiz. (…) E como havendo mistura da raça preta com a branca, (…) terá o Brasil, em menos de 100 annos todos os seus habitantes da raça branca. (…) Havendo casamentos de brancos com indígenas, acabará a côr cobre; e se quizerem apressar a extinção das duas raças, estabeleção-se premios aos brancos, que se casarem com pretas, ou indígenas na primeira e segunda geração: advertindo, que se devem riscar os nomes de “mulato, crioulo, cabôco” e “indígena”; estes nomes fazem resentir odios, e ainda tem seus ressaibos de escravidão (…) sejão todos ‘Portuguezes!”.

(Um breve parênteses: não sei se sou apenas eu que consigo ver semelhanças entre o discurso acima, de 1821, com o de “esqueçamos isso de brancos, negros, amarelos etc… somos todos Brasileiros!”, muito comumente encontrados em artigos de Ali Kamel, Demétrio Magnoli e Yvonne Maggie, por exemplo, apoiados pelo requentamento da teoria da mestiçagem, feito por Gilberto Freyre.)

A ideia de que, em 100 anos, os brasileiros seriam todos brancos, foi atualizada em 1911 por João Batista Lacerda, diretor do Museu Nacional. Nessa época o cientificismo já tinha biologizado o conceito de raça, e o racismo brasileiro se dividia entre duas correntes de pensamento. A segregacionista, que dizia que a mestiçagem já nos tinha posto a perder e que nunca seríamos uma nação desenvolvida; e a assimilacionista, que apostava na salvação através do processo de branqueamento, com imigrantes europeus. Apostando sempre no seu povo, essa última tornou-se a posição oficial do governo brasileiro, que tentava vender, no exterior, a ideia de um país com grande futuro à espera dos europeus; ou à espera de europeus, para ser mais exata. Participávamos de feiras e congressos internacionais, disputando imigrantes com Argentina, Chile e Estados Unidos, e o discurso de Lacerda, representante brasileiro no I Congresso Universal de Raças, em Londres, tenta aplacar o medo dos europeus de compartilharem o Brasil com uma raça inferior: “(…) no Brasil já se viram filhos de métis (mestiços) apresentarem, na terceira geração, todos os caracteres físicos da raça branca [...]. Alguns retêm uns poucos traços da sua ascendência negra por influência dos atavismos(…) mas a influência da seleção sexual (…) tende a neutralizar a do atavismo, e remover dos descendentes dos métis todos os traços da raça negra(…) Em virtude desse processo de redução étnica, é lógico esperar que no curso de mais um século os métis tenham desaparecido do Brasil. Isso coincidirá com a extinção paralela da raça negra em nosso meio“.

A elite intelectual brasileira, formada por literatos, políticos, cientistas e empresários, indignada com as declarações do diretor do Museu Nacional, foi debater nos jornais e revistas. Alguns clamavam que 100 anos era um absurdo de tempo, que o apagamento do negro se daria em muito menos. Outros debochavam do otimismo de Lacerda, como o escritor Silvio Romero, que acreditava que o processo, que todos concordavam ser irreversível, levaria, pelo menos, uns seis ou oito séculos. Mas todos concordavam que era apenas uma questão de tempo, desde que o Brasil continuasse a promover a entrada de brancos europeus, a não fazer nada para integrar os negros que já estavam no país ou para baixar a taxa de mortalidade entre eles, e a dificultar a entrada de novos africanos. De fato, o governo brasileiro financiou a vinda de imigrantes europeus, não fez absolutamente nada que ajudasse escravos e libertos e proibiu a entrada de africanos. Um decreto de 28 de junho de 1890 diz que estava proibida a entrada de africanos no Brasil, e é reforçado por outros em 1920 e 1930, quando os banidos não necessariamente precisam ser africanos, mas apenas parecer. Em 1945, um decreto lei não mais proíbe, mas diz que:

Art. 1o – Todo estrangeiro poderá, entrar no Brasil desde que satisfaça as condições estabelecidas por essa lei.

Art. 2o – Atender-se-á, na admissão de imigrantes, à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência européia, assim como a defesa do trabalhador nacional.

Imigração europeia

Tal decreto, me parece que foi revogado apenas em 1980. Mas as “características mais convenientes” da nossa ascendência europeia ainda são as desejáveis e estimuladas pelo governo, como nos mostra, exatamente 100 anos depois do pronunciamento de João Batista Lacerda, diretor do Museu Nacional, esse comercial da Caixa Econômica Federal (ver comercial do mês de setembro.

O fato mais visível é o branqueamento de Machado de Assis. Sobre esse assunto, que é longo e complexo, sugiro a entrevista com o professor Eduardo de Assis Duarte e, para quem quiser se aprofundar um pouco mais, a leitura de seu livro “Machado de Assis Afrodescendente: escritos de caramujo.” Veríssimo, atendendo ao apelo de Nabuco, nunca incluiu o artigo em seus livros; e para acabar com qualquer dúvida quanto à mulatice, a certidão de óbito de Joaquim Maria Machado de Assis diz que o grande escritor, da “cor branca”, faleceu de “arteriosclerose”. Questionada pelo ato falho, a assessoria de imprensa da Caixa se manifestou, dizendo que “o banco sempre se notabilizou pela sua atuação pautada nos princípios da responsabilidade social e pelo respeito à diversidade. Portanto, a Caixa sempre busca retratar em suas peças publicitárias toda a diversidade racial que caracteriza o nosso país”. Mas há também outro fato interessante no universo europeizado do comercial: no Rio de Janeiro de 1908, circulam apenas brancos. O comercial, assinado por “Caixa – 150 anos” e “Governo Federal – País rico é país sem pobreza”, apaga completamente as presenças negra e mestiça da capital federal do início do século. Tais atitudes colocam o governo como propagador e vítima das políticas oficiais de branqueamento da população e de ensino deficiente, voltado para o descaso com e o esquecimento do passado escravocrata brasileiro. Tivessem os profissionais envolvidos na criação, produção e aprovação de tal comercial estudado um pouco mais a vida dos africanos no Brasil, não teriam cometido erros tão banais. E tão graves, porque em nome de um governo e de uma instituição que diz ter uma história construída por todos os brasileiros, mas que parece, nesse caso, retratar apenas aqueles brasileiros que sempre foram mais brasileiros do que os outros. A nossa desigualdade entre iguais.

Tivessem esses profissionais dado uma olhada nos levantamentos demográficos da época (embora “raça” não tenha entrado nas estatísticas entre 1890 e 1940 – porque “éramos todos brasileiros”…) ou nas crônicas publicadas em jornais e revistas da época, ou o interesse de conhecerem um pouco melhor o assunto em questão, saberiam que a população negra e mestiça do Rio de Janeiro deveria ser, no mínimo, 30 e 40% do total, mas aparentava ser muito mais. A então capital federal, onde já era numerosa a presença de escravos e libertos, recebeu grandes contingentes de negros e mulatos após a assinatura da Lei Áurea, chegados das áreas rurais e de diversas partes do Brasil. Eles eram, então, a maioria a circular pelas ruas, em busca de emprego, que não havia, ou fazendo bicos, tentando se adaptar à nova realidade. Uma “sociedade movediça e dolorosa”, como nos contam as crônicas de João do Rio, entre tantas outras tão fáceis quantos de achar, caso houvesse interesse.

E por falar em “movediça e dolorosa”, é interessante também perceber como o governo retrata os escravos em outro comercial (ver mês de maio) referente à comemoração dos 150 anos da Caixa, o “Libertos”.

O comercial nos faz acreditar que a “poupança dos escravos” havia sido uma iniciativa progressista da Caixa quando, na verdade, foi um retrocesso nas “leis informais” que regulavam as iniciativas de compra de liberdade, e uma forma de o governo brasileiro, já no final da escravidão, lucrar um pouco mais com a exploração do trabalho escravo. Há um estudo interessante sobre essa poupança, “A poupança: alternativas para a compra da alforria no Brasil (2a metade do Século XIX)”, da historiadora e professora Keila Grinberg, que vou tentar resumir aqui, em meio a outras informações. É importante entender o cenário em que a “poupança dos escravos” foi lançada.

Após a Revolução Industrial, a Inglaterra buscava novos mercados consumidores para seus produtos e, vendo a escravidão com um dos grandes entraves, promulgou unilateralmente o Slave Trade Suppression Act de 1845, conhecido no Brasil como Bill Aberdeen. O ato considerava como sendo pirataria o comércio de escravos entre a África e as Américas, e a Inglaterra poderia abordar qualquer navio em atividade suspeita e liberar a carga humana. Muitos desses africanos foram levados para colônias inglesas no Caribe, onde trabalharam sob condições bem parecidas com a escravidão. Vários navios brasileiros foram aprendidos e destruídos, gerando uma série de incidentes diplomáticos que, em conjunção com outros fatores, levaram o Brasil a parar com o tráfico. Na verdade, a pressão era para que o Brasil obedecesse a Lei Feijó, também conhecida como “lei para inglês ver”, promulgada em 7 de novembro de 1831, que dizia:

A Regência, em nome do Imperador o Senhor Dom Pedro Segundo, faz saber a todos os súditos do Império, que a Assembléia Geral decretou, e ela sancionou a Lei seguinte:

Art. 1º. Todos os escravos, que entrarem no território ou portos do Brasil, vindos de fora, ficam livres.

Essa lei nunca foi obedecida e precisou ser reforçada com a Lei Eusébio de Queirós, aprovada em 4 de setembro de 1850:

Art. 1: As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros ou mares territoriais do Brasil, tendo a seu bordo escravos, cuja importação é proibida pela lei de 7 de novembro de 1831, ou havendo-os desembarcado, serão apreendidas pelas autoridades, ou pelos navios de guerra brasileiros, e consideradas importadoras de escravos. Aquelas que não tiverem escravos a bordo, nem os houverem proximamente desembarcado, porém que se encontrarem com os sinais de se empregarem no tráfego de escravos, serão igualmente apreendidas e consideradas em tentativa de importação de escravos.

Inicialmente, a Lei Eusébio de Queirós também teve pouquíssimo efeito, fazendo inclusive com que o tráfico se intensificasse. Como a vida útil de um escravo era curta, e as condições dos cativeiros brasileiros nunca foram ideais para a reprodução, como acontecia, por exemplo nos EUA, os exploradores de trabalho escravo trataram de garantir um bom estoque de peças, começando a pensar, inclusive, que a escravidão, algum dia, poderia ter fim. Quando a Inglaterra intensificou o controle nos mares, começou então o aumento do comércio interno, com as províncias do Rio de Janeiro e São Paulo, ancoradas na lucrativa economia cafeeira, importando peças do norte e nordeste. Possuir escravos que se tornavam cada vez mais caros, então, começou a ser coisa de “gente grande”, com a diminuição da entrada de peças de reposição e a crescente demanda da indústria cafeeira, base da economia brasileira da ápoca. O Brasil passava por grandes transformações, e outras duas leis importantes também foram promulgadas em 1850, a Lei das Terras e a lei do Código Comercial, ambas com profundas ligações com a escravatura.

Começando a se pensar pela primeira vez em um Brasil sem escravos, a Lei das Terras defendia os interesses dos grandes latifundiários, garantindo-lhes o direito de regularizar a posse das terras que ocupavam. As terras não ocupadas passaram a ser do Estado e só poderiam ser adquiridas em leilões, com pagamento à vista, impossibilitando que ex-escravos (e possíveis colonos, porque já se discutia uma política de imigrações), quando libertados, se tornassem proprietários através de ocupações.

O Código Comercial regulamentava a criação de sociedades anônimas e comerciais, uma necessidade por causa das reorientações na economia brasileira. Não tendo mais condições de comprar escravos, a gente “média” e “miúda” começou a ter outras necessidades de crédito e a se interessar por outros bens de consumo, aumentando a importação de bens estrangeiros. Em 1851, por exemplo, surgiu no Rio de Janeiro o Banco do Commercio e da Indústria que, junto com outros bancos, passou a receber depósitos e a emprestar dinheiro. Foi esse banco que, em 1853, depois de uma fusão com o Banco Commercial do Rio de Janeiro, deu origem ao Banco do Brasil. Segundo Keila Grinberg, “(…) Com isso, o crescimento das atividades comerciais no país, devido principalmente à prosperidade dos negócios do café, foi facilitado pelo aumento da emissão de moeda, e pela autorização, por parte do governo imperial, da realização de várias operações comerciais pelos bancos”. Em 1857 já havia vários bancos oferecendo esses serviços, mas a crise no setor cafeeiro e o grande número de instituições privadas, levou o governo a centralizar a atividade bancária, principalmente as de poupança e crédito, através da Lei dos Entraves, de 1860. Foi através dessa lei que o Governo Imperial criou a Caixa Econômica, que entrou em atividade em 1861 como o primeiro banco que receberia “as pequenas economias das classes menos abastadas”, nos moldes de várias instituições privadas de grande sucesso nos EUA e na Europa.

As Caixas prestariam os serviços de depósito em poupança e de empréstimos tendo como garantia a penhora de bens. Com isso, o governo buscava “centralizar no Estado as economias dos poupadores, de pequenos a grandes, de modo que o montante arrecadado pudesse contribuir para o desenvolvimento da infra-estrutura do país, como aconteceu nos Estados Unidos, onde a poupança alavancou o investimento em ferrovias, centros de tratamento de água e esgoto e canais”. A princípio, a arrecadação não foi muito grande, ao contrário da procura por empréstimos, e só melhorou um pouco a partir de 1864, com a quebra de várias instituições concorrentes.

A Lei do Ventre Livre, de 1871, reconheceu, entre outras coisas, o direito do escravo formar pecúlio. Na verdade isso já acontecia havia muito tempo. Escravos se reuniam em associações (Juntas ou Irmandades) auto-regulamentadas e contribuiam para um fundo comum que, entre outras coisas, servia para a compra de cartas de alforrias de seus associados. A novidade da lei é que, diferente do que acontecia antes, se o escravo tivesse dinheiro suficiente a carta de alforria não poderia mais ser negada pelo seu dono. A Caixa Econômica então passou a aceitar depósitos de escravos, mas a caderneta de poupança teria que ser aberta em nome dos seus donos, porque o decreto de fundação, de 1861, dizia:

“Não serão admittidos, como depositantes ou abonadores, os menores, escravos, e mais indivíduos que não tiverem a livre administração de sua posse e bens”

E para que o escravo tivesse certeza disso, de que não era dono daquele dinheiro e daquela “poupança do escravo”, Keila Grinberg nos conta que “todas as cadernetas de escravos eram riscadas onde aparecia a palavra ‘senhor’ antes do espaço destinado à redação do nome do poupador. Para que não restasse dúvidas de que poupar não fazia de nenhum escravo, um senhor.

Isso significa que a “poupança dos escravos” criada pela Caixa Econômica Federal não é nenhuma novidade entre as modalidades de se juntar dinheiro para a compra da carta de alforria, e ainda é um retrocesso, no sentido de proibir depósitos em nome de escravos. Caixas Econômicas não estatais, surgidas na década de 1830 na Bahia, em Pernambuco, Alagoas, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio de Janeiro, seguindo o modelo das caixas existente em outros países escravistas das Américas, não tinham essa proibição. Então, o que a Caixa Econômica Federal fez, em 1872, ao oficializar a “poupança dos escravos”, foi permitir e reafirmar que o controle do dono sobre o escravo, com a tutela do Estado, fosse exercido inclusive sobre algo que, de comum acordo entre dono e escravo poderia ficar, anteriormente, sob a responsabilidade do escravo. Antes de oficializar essa proibição, inclusive, a própria Caixa “aceitava” depósitos de escravos, como prova a existência da caderneta de poupança de número 12.729: “mesmo à margem da lei, entre 1867 e 1869, a escrava Luiza depositou religiosamente 5 mil réis por mês com o aval de D. Antonia Luiza Simonsen, sua senhora’, escreve Grinberg. A poupança dos escravos de ganho coloca-os novamente sob a tutela de seus senhores.

Escravos de ganho nas ruas do Rio, por Debret

Luiz Carlos Soares nos dá uma ideia da vida de um escravo de ganho no Rio de Janeiro, em sua tese “Urban Slavery in Nineteenth Century Rio de Janeiro”: “Uma parcela considerável desses cativos [que andavam pelas ruas do Rio] era constituída pelos escravos de ganho. Estes desenvolviam as mais diversas modalidades de comércio ambulante, carregando as suas mercadorias em cestos e tabuleiros à cabeça, ou transportavam, sozinhos ou em grupos, os mais variados tipos de cargas, ou ainda ofereciam os seus serviços em quaisquer eventualidades, até mesmo no transporte de pessoas em seus ombros pelas ruas da cidades nos dias chuvosos ou carregando em suas cabeças barris com os dejetos das residências que à noite eram jogados ao mar.” Profissões mais especializadas, como sapateiros, barbeiros, joalheiros, ou até mesmo mendicância e prostituição, estavam entre as atividades exercidas pelos escravos de ganho. São esses os escravos retratados no comercial “Liberdade” da Caixa, todos saudáveis, “higienizados”, sorridentes e bem tratados. A realidade, no entanto, era bem outra. Alguns realmente conseguiam se dar bem, sendo capazes de juntar boa quantidade de dinheiro; mas eram exceções. O que valia a pena, nessa modalidade, era o escravo ter um pouco mais de liberdade em relação aos escravos rurais ou domésticos, sob maior vigilância. Os escravos de ganho eram mandados para a rua por seus senhores, onde deveriam trabalhar para pagar o “jornal”, ou seja, uma quantia diária, semanal ou mensal estipulada pelo dono. Era o excedente desse jornal, se houvesse, que os escravos poderiam poupar para empregar no que bem quisessem, desde o complemento à alimentação deficiente, roupas, aluguel de um cômodo para morar longe do senhor, ou a carta de alforria. E era esse excedente que, em nome do dono, poderia ser depositado na “poupança dos escravos”, na esperança de, um dia, ser suficiente para comprar a liberdade; o que se tornava cada vez mais difícil.

A partir de 1850, com a venda maciça de escravos para as zonas cafeeiras, o número de escravos diminuiu consideravelmente na cidade do Rio de Janeiro. O recenseamento realizado em 1872, ano de lançamento da poupança de escravos, conta que eles eram, ao todo, 37.567, dos quais 5.785 eram criados (escravos de aluguel para serviços domésticos) e jornaleiros (de ganho). Escravos de ganho já não eram bom negócio. Em alguns setores mais lucrativos, como o de transporte, eles estavam perdendo espaço para trabalhadores livres, melhor organizados e de melhor aparência; em sua maioria imigrantes pobres portugueses. Esse é o cenário quando a Caixa Econômica Federal decide aceitar dinheiro de trabalho escravo – desde que em nome do donos, é sempre bom lembrar -. Com a alta sucessiva do preço, e com seus donos usando métodos legais e ilegais para manter os escravos que possuíam, as compras de cartas de alforria se tornaram raríssimas depois da Lei de 1871. “Que não restem dúvidas: a alforria custava caro. Para se ter uma ideia, entre 1860 e 1865 o preço médio pago por um escravo para ficar livre variou entre 1:350.000 réis e 1:400.000 réis, mas chegou a mais de 1:550.000 réis em 1862. Evaristo, depois de três anos de poupança acumulou irrisórios 8.100 réis. Luiza, aquela que depositava com consentimento da sua senhora Antonia Luiza Simonsen, chegou a pouco mais de 200.000 réis”, lembra Grinberg.

Provavelmente, foram raríssimos os que conseguiram comprar suas cartas de alforria através das cadernetas dos escravos, como a escrava Joana do comercial. Aplicados no banco, os recursos destinados à compra de sonho serviam para aumentar os lucros da Caixa que, segundo o estatuto de criação, podia utilizar o dinheiro das poupanças para fazer empréstimos, a juros, através do Monte de Socorro, com as penhoras. Talvez isso também pudesse ser chamado de exploração de mão de obra escrava. Da qual, hoje, a Caixa de orgulha, a ponto de apresentar como um dos grandes feitos a ser comemorado em seus 150 anos de existência. Ironicamente, ou não – pois realmente quero acreditar que é fruto da profunda ignorância histórica e da falta de sensibilidade -, o confessional foi exibido no mês de maio, para ser potencializado e remetido à Lei Áurea. Coisas da propaganda, que talvez pudesse ser usada para nos responder duas perguntas:

- O que foi feito do dinheiro dessas cadernetas de poupança quando aconteceu a abolição? O dinheiro era dos escravos, o excedente do que tinham que pagar ao dono, mas não estava no nome deles. Eles conseguiram recuperar essas economias?

- Em 1872, quando foi criada a “caderneta dos escravos”, dirigida aos escravos de ganho, já fazia 41 anos que o tráfico atlântico de escravos estava proibido. Visto que a maioria dos escravos de ganho era composta por africanos (Luiz Carlos Soares nos informa que, na segunda metade do XIX, na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, dos 2.869 pedidos de concessão de licença para trabalhar ao ganho, 2.195 eram para africanos), a Caixa, antes de aceitar a abertura das cadernetas, checava se tinham entrado legalmente no Brasil (é bom lembrar que, em 1900, a expectativa de vida do brasileiro era de 33,4 anos, sendo a dos escravos bem menor que a dos não-escravos), ou era cúmplice dos que tinham sequestrado, capturado e mantido ilegalmente africanos em cárcere privado e trabalhos forçados, conforme as leis de 1831 e 1850?

Seria bom que a Caixa Econômica Federal investigasse a possibilidade de ter cometido erros e, se for o caso, se retratasse. Pelo branqueamento de Machado e por ter lucrado, talvez ilegalmente, com o dinheiro dos escravos, e fazer disso motivo de orgulho. Se não por toda a população afrodescendente brasileira, pelos seus mais de 14.000 funcionários homenageados em um belíssimo comercial comemorando o Dia da Consciência Negra.

Para que eles não se sintam usados. Para que nós não nos sintamos enganados por meras e belas campanhas de marketing. Para que este país comece a conhecer e respeitar sua História. Para que as palavras de sua assessoria não sejam propaganda enganosa: “O banco sempre se notabilizou pela sua atuação pautada nos princípios da responsabilidade social e pelo respeito à diversidade.” Que assim seja!

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